sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Sono – nano ensaio

E o tempo dele havia passado, simplesmente já não dava mais tempo. Já não sonhava, não desejava, não ousava, estava convencido, tinha de se acomodar com o caminho percorrido. Era como o fim de uma estrada, onde já não há para onde ir, a não ser para o passado nas lembranças ou para a aceitação do presente. Simplesmente não havia tempo, não mais em sua existência medíocre. Até mesmo a palavra medíocre custou a chegar ao seu vocabulário quando ainda havia tempo, quando ainda havia alguma fé nos pés e o caminho ainda o instigava a, pelo menos, olhar para frente.

Olhando para o horizonte, viu uma nuvem cinza crescer, mas certamente não choveria, pois a chuva não tem sentido sem o verde para molhar, a chuva não tem sentido ao não haver a cede e o calor dos andarilhos para abrandar, a chuva não tem sentido sem a vida. E o tempo havia passado com a nuvem cinza e o verde estava cada vez mais distante, criando um horizonte ininteligível. E no meio do caminho havia um muro, concreto firme separava o ponto no qual ele se encontrava, do cinza do horizonte. Então o tempo estava mesmo esgotado, ele acreditava nisto, o muro crescia e o horizonte acinzentava mais. A nuvem deixava a visão embaralhada e ele, estando parado, se pedia fácil nas voltas da cabeça.

Tempo era o que ele mais tinha para imaginar como seria se ainda tivesse algum tempo para sonhar, para desejar, para ousar. Tinha tempo de sobra para ver aquela nuvem mudar de cor ou se dissipar, permitindo que o azul do céu se revelasse e trouxesse algo há muito esquecido. Mas nem o mais sábio dos ventos poderia trazê-lo de volta, pois ele acreditava e então, para ele, o tempo já havia ido. Por uma fração de segundos, e os segundos também são medidas de tempo, resolveu levantar para tentar ver algum verde ou azul por detrás do muro. Assim, surpreendentemente, a nuvem começou a dissipar, ele sentiu uma tontura e uma nova nuvem se apresentou num tom esbranquiçado, fazendo-o tombar. Sentia-se enfraquecido e imaginou que talvez amanhã, que apenas talvez, ele pudesse encontrar tempo. Então a noite chegou, ele resignou-se a esperar o amanhã e foi dormir.

5 comentários:

Anônimo disse...

Comecei a minha semana com essa sensação.As coisas pareciam não ter muito sentido pra mim.Caminhava,mas não me sentia.Me sentindo uma estrangeira em meu próprio mundo.Estranho!

Um beijo

Lapa Levana disse...

Temos que controlar e não nos deixarmos ser controlados, ontem estava pensar sobre isso, sobre o tempo...se passou mesmo, ou se eu acho que passou, se eu quero que passe... E há mais tempo, sempre há tempo, ele não pára certo? Terei de recriar o meu agora, encontrar a sintonia para o meu mundo.

Soluz, muito obrigada por teu texto!

Bênçãos sempre!

Rodrigo Sestrem disse...

"a chuva não tem sentido sem o verde para molhar"
Essa frase resume tanta coisa...
Mas a questão é que esperar só adianta quando não tem jeito... como quando vc quer que amanheça, mas ainda são 3h da manhã... tem de esperar... qdo vc quer que o vôo da mulher amada chegue logo, mas ainda faltam dois dias pra o avião decolar... tem de esperar...
De resto, há de se seguir tonto mesmo, e atravessar nuvens sejam de lá de que cor, e subir no muro, e cantar uma canção, ou declamar um poema de Soluz, ou simplesmente dançar um côco, ou ficar pulando em cima do muro até ele se enterrar todo no chão... tanto faz!

Saudades, irmão!

Anônimo disse...

veja só, pelo que eu conheço da lindinha e etc, estamos expressando nossas características mais piscianas... perguntar o motivo não faz sentido... procurar sentido... não é capaz de nos confortar; A REALIDADE É QUE MESMO QUE O SENTIDO GRITE, PODEMOS NÃO VER...

beijo sem sentido... cheio de amor

Mai ۞ disse...

Que bacana esse conto soluz, adorei !

Realmente há tempo pra tudo nessa vida... sabe que o universo nunca dorme, creio que o tempo também rsrsr

Bjus de luz!